Reacções psicológicas à perda de visão

Recentemente li um artigo de Maria Cristina de Castro Barczinski sobre as reacções psicológicas à perda de visão, que considerei muito interessante e útil para o meu trabalho diário! Este artigo baseava-se num trabalho realizado no Instituto Benjamin Constant (IBC) a partir do contacto com pacientes cegos e com perda parcial de visão.
Trata-se de um trabalho direccionado para a prevenção da perda da visão, uma vez que em casos reduzidos o paciente tem uma grande influência "inconsciente" no atraso do diagnóstico e na dificuldade de reabilitação. Apesar dos recursos existentes actualmente, são ainda muitas as pessoas que ficam cegas por doença, acidente ou velhice.
Para uma pessoa com visão normal, a perda repentina do seu sentido mais precioso é muito difícil. A necessidade de uma profunda reorganização psicológica destes pacientes requer um amparo urgente para que eles possam lidar com esta perda que influi em todos os aspectos das suas vidas.
Embora alguns estigmas da cegueira sejam parte do passado, também na sociedade moderna as pessoas cegas são evitadas, ignoradas ou superprotegidas.
Em 1970, Fitzgerald estudou as reacções à cegueira, descrevendo quatro fases que estimava demorariam dez meses a percorrer:
1º - Descrença (os pacientes tendem a negar a sua cegueira)
2º - Protesto (procuram uma segunda opinião ou recusam-se a usar a bengala branca)
3º - Depressão (perda de peso, mudança de apetite, ideias suicidas e ansiedades paranóicas)
4º - Recuperação (aceitam a cegueira num estágio em que não se percebe qualquer distúrbio psiquiátrico)

O luto da cegueira é uma fase importante que, por vezes, não é realizado. Nestas situações o paciente pode ter reacções neuróticas moderadas ou severas, devido a uma negação maníaca. Estas reacções poderão manifestar-se através de:
  • dependência acentuada em relação aos adultos ou negação da mesma;
  • recusa à competição ou constante preocupação em comparar-se e competir;
  • repressão da agressividade com excessiva amabilidade ou grande agressividade;
  • hipersensibilidade a críticas;
  • dificuldade de relacionamento com outros deficientes visuais e entre eles os "videntes";
  • insegurança a respeito de si mesmo;
  • desconfiança acentuada em relação a outras pessoas e suas intenções;
  • manifestações de ressentimentos pela sensação de não ser querido e eceite pelo mundo, pois julga que ser diferente é ser inferior;
  • predominância de pensamento mágico e misticismo;
  • sentimentos de inveja;
  • descontentamento e uma crítica severa em relação aos demais;
  • desconfiança acentuada sobre a sua capacidade sexual (cegueira = castração);
  • procura de um parceiro também deficiente visual;
  • isolamento, evitando situações sociais;
  • acentuada necesssidade de aprovação e afecto.
No trabalho com pacientes com perda de visão predominam os traços paranóicos que não devem ser interpretados como fantasia, pois o estigma da sociedade perante o deficiente visual é bem real.
A perda de visão não é a única perda destas pessoas, a ela estão associadas:
  1. perda da integridade física (o indivíduo sente-se mutilado, está diferente dos outros)
  2. perda dos sentidos remanescentes (há uma desorientação inicial, causando diminuição do tacto, olfacto, memória, capacidade motora, etc.)
  3. perda do contacto real com o meio ambiente (como se morresse para o mundo das coisas)
  4. perda do "campo visual" (silêncio visual)
  5. perda das técnicas da vida diária (passa por repetidos fracassos nessas actividades que nunca o deixam esquecer que está cego. Ex: comer, beber, conservar-se limpo e arrumado, contar dinheiro, etc. Estas perdas restringem a sua autonomia e obrigam-no a depender de outros.)
  6. perda da facilidade de comunicação escrita (livros, jornais, correspondência, ficando também limitado na assinatura do seu próprio nome.)
  7. perda da facilidade da comunicação corporal (não pode ver as reacções dos outros)
  8. perda da visão dos rostos familiares, artes, etc.
  9. restrições à sua recreação
  10. perda da obscuridade (não passa mais despercebido na rua, por isso muitas vezes rejeita a bengala.)
  11. perda da profissão (perde a capacidade de produzir e de se sentir útil, assim como a sua segurança financeira.)
Com um tão elevado número de limitações, é normal que as frustrações se instalem, acompanhadas de desorganização na personalidade e na perda da auto-estima. A reabilitação funcional é, nestes casos, o caminho a seguir e uma ajuda muito importante na aquisição da autonomia diária do deficiente visual e consequente independência.

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